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domingo, 27 de janeiro de 2019

Saúde pública e segurança pública: uma relação tensa, mas necessária, defende pesquisador

Saúde pública e segurança pública podem e devem caminhar juntas, auxiliando-se mutuamente. É o que constatou o epidemiologista Nicholas Thompson da Universidade de Melbourne, Austrália, a partir de um trabalho de prevenção ao HIV, que realizou em Chiang Mai, na Tailândia, em 2003, e cujas reflexões deram origem a uma série de três artigos que trata da relação pouco reconhecida dessas duas políticas públicas, publicada no periódico médico The Lancet de janeiro de 2019. Em entrevista ao jornalista Jon Cohen, da revista Science, Thomson aborda a experiência.
“Fomos dizimados”, relatou ele, referindo-se às consequências danosas à sua pesquisa, advindas da “agressiva guerra às drogas” que o presidente tailandês havia promovido, autorizando ações extrajudiciais para apreensão de qualquer suspeito de tráfico, o que resultou no afastamento de algumas centenas de pessoas, que não eram traficantes, dos testes que sua equipe conduzia.
Thomson, que trabalhava com pesquisadores da Escola Johns Hopkins Bloomberg de Saúde Pública em Baltimore, Maryland, à qual também está vinculado, conta ter percebido que parte do problema estava no fato de os pesquisadores, bem como a universidade tailandesa de Chiang Mai não terem construído vínculos fortes o bastante com a polícia do país, o Ministério do Interior e o sistema prisional. E, ainda, que a interseção entre saúde pública e segurança, envolvendo tanto a polícia quanto os militares, tem impacto não só na abordagem do HIV/Aids, como de pólio, ebola, zika e malária e sobre saúde mental, bioterrorismo e desastres.
A partir de então, buscou dedicar-se a uma aproximação entre as duas instâncias. “Passei os dez anos seguintes tentando aprofundar o quanto possível a relação com os ministérios responsáveis ​​pela segurança pública em todo o sudeste da Ásia, para identificar o que seria necessário à melhoraria da qualidade da saúde pública”, disse na entrevista.
Thomson destacou que a segurança pública tem grande aparato para apoiar iniciativas de saúde pública, mas, muitas vezes, põe-se em conflito com os atores da saúde e dos direitos humanos, em particular, sendo necessário que se lançasse uma lente de saúde pública sobre sua cultura operacional. Como exemplo, ele referiu-se ao Fundo Global de Combate à Aids, Tuberculose e Malária e ao Pepfar [Plano de Emergência do presidente dos Estados Unidos para o Alívio da Aids], que executam programas gigantescos de combate a epidemias concentradas em populações criminalizadas ou hostilizadas. “Nenhuma dessas agências está disposta a entrar no espaço da polícia de forma tangível. Seus parceiros são pessoas de saúde ou organizações não governamentais, portanto, não trabalham com a polícia”, observou.
Ele lembrou que nas agendas de organismos globais de saúde não está previsto financiamento voltado ao setor de segurança. “Veja a malária resistente a medicamentos no norte do Camboja. Os únicos funcionários públicos são policiais, militares e funcionários de fronteiras e alfândega. Não há epidemiologistas. Há uma relutância real das agências de saúde pública em envolver a polícia e as forças armadas na luta contra a malária, o que representa enorme risco de novos surtos”.
O epidemiologista acrescentou que, por sua vez, os treinamentos de policiais não são apoiados por políticas e estratégias da alta liderança do setor. “Nas ruas secundárias de Douala [cidade costeira dos Camarões], você tem dez, 20 pontos quentes, cada um com 200 profissionais do sexo operando,  todos relatando serem perseguidos e induzidos a subornar”, aponta, defendendo que a saúde pública envolva-se nesse processo. “A menos que nos envolvamos corretamente, nunca chegaremos ao fim. Considerando para onde a ciência progrediu, isso é uma farsa”, afirma.
Thomson lembra que as prisões não são administradas por epidemiologistas, mas por seguranças sem treinamento em saúde pública, e que, geralmente, não se importam com os problemas desse setor. “Mas você pode mostrar-lhes intervenções que serão eficazes para os prisioneiros e melhorarão as condições para os guardas, diminuindo a exposição destes, por exemplo, à tuberculose multirresistente”, destacou.
Ao mesmo tempo em que é possível estar preparado para certas ameaças, como a do Ebola, disse o epidemiologista, alguns projetos em andamento já demandam apoio de policiais e militares. “Onde não conseguimos erradicar a pólio? Afeganistão, Paquistão e norte da Nigéria – os lugares mais inseguros. E nunca chegaremos a zero casos, a menos que as pessoas estejam seguras”.
Para a polícia, destaca Thomson, segurança pública é uma expressão distante de saúde pública, não se reconhecendo quão entrelaçadas estão as duas áreas. “Não há muita diferença entre proteger alguém de um ataque por metanfetamina e aplicar a lei do cinto de segurança ou fazer o teste de drogas nas estradas”, considera o pesquisador. “Mas nas academias de polícia, normalmente não há nem uma semana de treinamento em saúde pública, e a cultura é que eles não acordam achando que são defensores da saúde pública também”.
Quanto ao argumento de que para construir a confiança com o público, é preciso que a saúde pública distancie-se da polícia e das forças armadas, Thomson destaca que essa tensão exacerba-se quando se parte do princípio de que o setor de segurança é “o arqui-inimigo”. Para ele, há “uma batalha cultural” entre as duas agências que precisa ser resolvida. “Os defensores da saúde pública precisam ter a capacidade de se sentar nessas mesas escuras e se envolver. Nós não vivemos em um mundo perfeito. Estamos perdendo uma grande oportunidade”.

Centro de Estudos Estratégicos da FIOCRUZ

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